O uso de derivados canabinoides no tratamento da Ansiedade

Com uma incidência (índice de casos novos) e uma prevalência (quantidade de pessoas que permanecem doentes) de níveis inéditos no mundo, o transtorno de ansiedade generalizada é uma doença que tem o Brasil como principal representante, já que somos o país mais ansioso do mundo segundo a OMS. Números estimam cerca de 18,6 milhões de pessoas com tal transtorno no nosso país e um grande mercado sempre desperta um grande interesse econômico, mas como os derivados da cannabis, substâncias impossíveis de serem patenteadas podem ser relevantes nesse cenário?

Cronologicamente há de se ressaltar que o primeiro estudo in vivo para testar a capacidade ansiolítica do canabidiol (CBD) foi feito com roedores no modelo de “labirinto em cruz elevada” e após o sucesso desse tivemos um experimento pelo “teste de simulação de falar em público” que demonstrou eficácia similar entre o uso de 300 mg de canabidiol isolado se comparado com 10 mg de Diazepam. O ano era 1993 quando Zuardi e colaboradores obtiveram esse resultado animador já que o Diazepam é conhecido pelo potencial sedativo enorme enquanto o CBD raramente causa esse efeito. Fica a esperança de se ter uma medicação para a ansiedade que não altere sua percepção da realidade como os benzodiazepínicos.

Trinta anos depois, com mais estudos e empirismo que o aumento do número de pacientes nos proporciona começamos a notar que quem sabe seja possível tratar a ansiedade com doses muito menores de CBD. Quem sabe o efeito sinérgico do CBD com o Delta-9-tetrahidrocanabinol (THC) faça com que possamos tornar o tratamento mais acessível para um número maior de pacientes, já que agora temos a possibilidade de importar a medicação pagando ¼ do valor que está nas farmácias.

Com o tato que algumas centenas de pacientes me proporcionaram tenho dito que em regra geral 1/3 dos pacientes melhoram com 25 mg de CBD por dia, 2/3 conseguem melhorar com 50 mg e cerca de 5% deles precisam de mais de 100 mg de CBD diariamente, sempre dividido em 2 tomadas. Quem sabe esses números sejam possíveis pois uso na minha prática quase que exclusivamente CBD full spectrum (FS) que possui até 0,3% de THC, outros canabinoides, terpenos e flavonoides.

Um fitocanabinoide que pode nos ajudar a tratar a ansiedade refratária ao CBD FS é o THC, principal componente psicoativo da cannabis, hoje também disponível de maneira mais acessível via importação. Apresentando uma resposta bifásica, o THC deve ser usado com cautela, mas geralmente possui resposta muito favorável quando em associado ao CBD FS em doses “altas” de como 100 mg/dia.

Gostaria de lembrar vocês que as apresentações de cannabis não regulamentadas a venda no comércio ilícito geralmente possuem concentração de THC na casa de 20 a 30% e quase nenhum CBD. Assim sendo, pela ausência do efeito de “modulação alostérica negativa” do CBD pode ser que esse uso evidencie o potencial ansiogênico do THC quando usado em doses mais altas.

Se comparado ao mecanismo de ação da principal classe de medicação prescrita para transtorno de ansiedade, os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) o CBD possui ação em receptores serotoninérgicos e dopaminérgicos com efeito “on demand”, ou seja: que agem apenas sob necessidade de agir nessas vias e fazendo uma comunicação interneuronal que modula o sistema canabinoide a ponto de ser uma medicação com um baixíssimo potencial de efeitos colaterais, embora os mesmos não sejam completamente ausentes.

Temos, portanto, no CBD um canabinoide extremamente promissor, que pode ser usado em doses variadas no tratamento da ansiedade e age de maneira multimodal a melhorar a qualidade de vida do paciente para regular o sono, a dor e o humor deprimido que geralmente acompanham a doença. Além do CBD hoje o acesso facilitado ao THC com bom controle de qualidade pode ajudar nos casos que não respondem a doses mais altas de CBD FS. Evidente que a avaliação individual de cada paciente é necessária, assim como o seguimento contínuo dele com o médico para o sucesso de qualquer terapêutica empregada.

Por Dr. Felipe Nora